Carlos Alexandre | Raio X Amazônia
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Parintins (AM) – O jornalista Floriano Lins Anselmo, 70 anos, trocou a correria das grandes redações pelo refúgio da natureza. Deixou o centro urbano para se embrenhar no “Coio das Utopias”, um projeto de reflorestamento urbano situado na periferia de Parintins (localizada a 369 quilômetros de Manaus). Em meio às frondosas árvores frutíferas, ele exibe com orgulho a produção que cultiva ao lado da esposa, Fátima Guedes, em um terreno de meio hectare. Até a rua onde mora carrega um simbolismo, chama-se Tucumã, nome do fruto de uma palmeira amazônica.
As grandes coberturas jornalísticas deram lugar à tranquilidade da floresta, às tarefas cotidianas e à assessoria de movimentos sociais. Enquanto caminha entre as árvores, Floriano fala sobre o jornalismo de resistência. Sua trajetória, porém, nem sempre foi pacífica. Tendo atuado nos grandes centros urbanos do Sul, Sudeste e Norte do Brasil, ele fez do jornalismo uma ferramenta de revolução e chegou a ser ameaçado de morte por denunciar destruidores da floresta.
Em conversa com o Raio X Amazônia, ele cita Margarida Alves, símbolo de resistência no Nordeste. “É preferível morrer lutando do que morrer de fome”. Floriano sempre teve fome de justiça, fome de verdade. ““A notícia antes de ser notícia, tem que ser verdade. Infelizmente, os tempos atuais não são mais assim.”
Com mais de 50 anos de profissão, ele afirma que a resistência sempre foi a espinha dorsal de sua carreira. “Resistimos para garantir qualidade, para melhorar o cardápio informativo que a imprensa oferece à sociedade. Quando falamos de resistência, queremos resgatar uma era em que a ética era respeitada.”


Um jornalista comprometido com a Amazônia
Desde que chegou ao Amazonas, Floriano passou por importantes redações: Diário do Amazonas, A Crítica, Amazonas Em Tempo, Sistema Alvorada de Comunicação, Parintins Em Tempo e fundou o jornal impresso Plantão Popular. “Para os becos sem saída, minha saída é a resistência. Minha saída é a persistência. Mas sempre zelando pela liberdade de expressão e opinião. Meu ponto de vista não é um ponto final.”
Antes mesmo da implantação do curso de Jornalismo em Parintins, Floriano já exercia a profissão por direito legal. Ainda assim, aos 50 anos, ingressou na faculdade para consolidar sua formação. Antes disso, quando estudante de Letras, recusou-se a aceitar um político como paraninfo da turma. Como consequência, recebeu sua colocação de grau das mãos do reitor, em uma sala solitária do Centro de Estudos Superiores de Parintins.
Atuando sempre ao lado dos povos da floresta, lamenta a superficialidade do jornalismo atual. “Vemos muitas reportagens e pouco compromisso com a realidade da Amazônia. Nossa floresta está sendo devastada e, mesmo assim, insistem em dizer que está preservada. O jornalismo de resistência tem a obrigação de fazer o contraponto, de desmascarar essas falácias.”

As farsas das cúpulas
Em novembro deste ano, Belém (PA) sediará a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30. O evento reunirá chefes de Estado, ministros, empresários, cientistas, representantes da sociedade civil e ONGs. O governo brasileiro investirá R$ 4,7 bilhões para preparar a cidade para a cúpula.
Floriano é categórico e sentencia: “A COP 30 é uma farsa. Derramam-se bilhões, mas a realidade continua a mesma. O medo de comer peixe contaminado por mercúrio, as florestas destruídas, os animais silvestres invadindo as cidades porque não têm mais onde viver. E ainda os chamam de pragas”.
Para ele, quem resiste no jornalismo em defesa da Amazônia precisa respeitar os seres da floresta e compreender que a selva não pode ser humanizada. “Respeitem a floresta, respeitem os selvagens. A floresta não foi feita para ser dominada, mas para ser respeitada. Já estamos cansados dessa tentativa de humanizar tudo. Deus me livre dos humanos. Precisamos preservar as vidas que ainda temos. Temos que voltar para a floresta e aprender a viver com os seres da floresta.”
Na visão de Floriano, a tendência destrutiva do ser humano é inquestionável. “Com raríssimas exceções, o homem apenas destrói. Buscamos sempre o bem-estar, mas, em alguns países, o conceito de ‘bem viver’ já faz parte das suas constituições. Defendemos um ‘bem viver’ universal, que respeite todas as formas de vida.”
Seu olhar sobre o jornalismo e a Amazônia é, acima de tudo, um chamado à consciência. E à resistência.